quinta-feira, 18 de abril de 2013

Debate: A MORAL REVOLUCIONÁRIA E A AGRESSÃO CONTRA AS MULHERES.


Escrito por Cecilia Toledo   
Qua, 17 de Abril de 2013 18:42

Um debate necessário e urgente entre toda a esquerda mundial

Estamos diante de catástrofe no mundo inteiro. Uma situação sem precedentes, quando a violência contra as mulheres tornou-se uma prática diária, uma verdadeira norma de conduta que vem produzindo casos cada vez mais estarrecedores, com mulheres sendo brutalmente atacadas nas ruas, estupradas nos ônibus, agredidas dentro de suas próprias casas. Esse fantasma já se instaurou entre nós. As mulheres trabalhadoras e pobres, nos países coloniais e semicoloniais, são as maiores vítimas. Mas os países ricos não estão imunes. Isso é um retrato da sociedade burguesa, onde as poucas conquistas que nós, mulheres, fizemos durante as últimas décadas de lutas pela emancipação foram indo para o abismo, uma a uma. A onda de estupros, violência sexual e barbárie que vem nos atingindo de uma maneira incontrolável, sem que os governos burgueses se disponham a enfrentá-la, joga por terra os nossos passos rumo à emancipação, duramente conquistados. De fato, diante da morte, nossas conquistas se esfumam.

Dentro disso, dois grandes acontecimentos têm provocado mobilizações de massas e indignação no mundo inteiro: um ocorreu na Índia e outro no âmbito da esquerda marxista. O recente ataque a uma jovem indiana de 23 anos, estuprada dentro de um ônibus por quatro homens ao mesmo tempo, foi um sintoma gravíssimo do que estamos falando. O crime assustou a todos pelos requintes de crueldade com que foi praticado, pela brutalidade extrema com a qual a jovem foi violentada e morta por seus agressores. O mundo inteiro ficou chocado e na Índia, pela primeira vez na história, vimos grandes massas, homens e mulheres juntos, gritando nas ruas para exigir do governo indiano a punição dos criminosos e leis mais rígidas contra os estupros. De nosso conhecimento, foi a primeira vez que o estupro de uma mulher foi motivo de um levante popular dessas proporções. E mais: um levante de caráter claramente político, porque se voltou diretamente contra o Estado burguês e suas leis que protegem os assassinos.

Como um rastilho de pólvora, o que ocorreu na Índia vem se repetindo no mundo todo. Mulheres estão sendo violentamente atacadas, estupradas e mortas em todos os recantos da terra. No chamado “terceiro mundo”, não passa um dia sem que uma mulher seja agredida e violentada. As maiores vítimas são as mulheres jovens, trabalhadoras e pobres, incluindo crianças pequenas. Basta que a mulher se recuse a continuar vivendo com seu parceiro para ser alvo fácil de uma agressão ou mesmo um tiro na cabeça. Por qualquer motivo torpe, os espancamentos são diários, as mulheres são amarradas, queimadas com gasolina, assassinadas e atiradas aos cães.  A tortura psicológica, os mal-tratos velados e constantes, se transformaram em agressões físicas e mortes.

Partindo do exemplo da Índia, os governos de todos os países, ao invés de tomarem medidas duras contra os estupros e a violência contra as mulheres, vêm deixando correr solto esse tipo de crime. Só no último mês dois casos idênticos ao da Índia ocorreram no Brasil. No Rio de Janeiro, uma jovem turista francesa foi estuprada oito vezes seguidas por três homens dentro de uma van, que a deixaram à beira da morte. Ainda não satisfeitos, os agressores a “ofereceram” a outros homens em uma favela, que não a aceitaram porque o corpo estava “muito estragado”. Caso parecido acaba de ocorrer com uma adolescente de apenas quatorze anos na Bahia, arrancada à força de dentro de um ônibus e levada para um matagal, onde foi diversas vezes estuprada por uma sequência de homens enfurecidos. 

A violência contra as mulheres está instaurada no mundo. Esta época está marcada para sempre por esse tipo de crime, que vem se espalhando e gerando uma sociedade do medo, do terror e das trevas para as mulheres. Fruto da degeneração que representam os valores burgueses do machismo, do poder do homem sobre a mulher; fruto da exploração desenfreada de milhões de trabalhadores, que deixa os pobres e a classe trabalhadora a mercê das condições mais ignóbeis de vida, sem moradia digna, sem atendimento à saúde, sem uma perspectiva futura para milhões e milhões de jovens e crianças, de todas as nacionalidades. Os governos burgueses, sobretudo aqueles capitaneados por mulheres, e muitas organizações feministas tentam nos convencer de que agora as mulheres avançaram e se liberaram.

Nada mais falso. O que vem avançando não é a liberação, mas o contrário, a prisão, o silêncio, a morte. As ideologias burguesas mais retrógradas ganham cada vez mais espaço nos meios de comunicação. A mulher como objeto sexual, como propriedade privada do homem, uma ideologia que se mistura com o misticismo para inferiorizar e demonizar a mulher, uma ideologia que se alimenta do atraso para satisfazer os instintos mais bárbaros e primitivos do homem.

Na Índia, essa ideologia se mistura com a herança dos anos de colonização e dominação por parte do império inglês, que destruiu a cultura indiana e deixou em seu lugar os valores do colonizador, do dominador, do egoísmo e o individualismo exacerbados. A ideologia das cavernas, quando prevalece a força bruta, quando vence o mais forte, o mais cruel, o mais feroz.

Crise no SWP inglês
 
Mas o que nos deve deixar ainda mais indignados é ver que dentro das organizações de esquerda isso também ocorre. Foi o caso recente do SWP inglês, onde um dos dirigentes do partido foi acusado de ter estuprado uma militante e abusado sexualmente de outra camarada. As duas militantes agredidas foram impedidas de se manifestar abertamente e a investigação foi feita de forma superficial, de modo a que o dirigente do partido saísse impune.

Diante desse fato tão grave, a direção do SWP, ao invés de unir o partido contra o agressor, preferiu virar as costas ao partido para proteger o agressor.

A reação do partido foi imediata e indignada, demonstrando que a maioria dos militantes ainda tinham sangue correndo nas veias e queriam defender o partido. Foram muitos os pronunciamentos de protesto, grupos inteiros romperam com o partido, muitos militantes se mostraram desiludidos com a esquerda. Inclusive a figura pública mais reconhecida do partido, Alex Callinicos, foi impedido de participar de um fórum marxista na Índia, porque sua presença poderia gerar protestos, já que o país está vivendo ainda o clima do recente estupro da jovem de 23 anos.
Que um dirigente do porte de Callinicos, reconhecido mundialmente, tenha sido repudiado dessa forma é algo para fazer pensar sobre a dimensão desse fato, porque representa também uma vitória na defesa das mulheres contra a opressão.

Nenhuma organização de esquerda está imune aos desvios morais do tipo que atingiu o SWP. Na LIT, nós também já passamos por esse tipo de problema. Mas o que divide águas entre as organizações é a forma como elas enfrentam esses problemas: discutindo aberta e amplamente entre todos os militantes, investigando a fundo o ocorrido e afastando de suas fileiras o agressor, ou adotando todo tipo de manobras para ocultar o ocorrido, desqualificar as vítimas e manter o agressor na equipe de direção. Unir o partido contra aqueles que incorrem em desvios morais graves, como é o caso do estupro e do machismo contra as mulheres, ou preferir destruir o partido para proteger seus pares: essa é a disjuntiva que temos pela frente.

Na LIT, nosso método sempre foi o do enfrentamento claro e decidido contra todo e qualquer desvio moral, sejam eles referentes a roubos, mentiras, privilégios, denúncias e, sobretudo, manifestações de machismo, como agressões sexuais às companheiras, provocações, preconceito e, sobretudo, estupro.

Tudo isso é incompatível com a moral revolucionária que tanto defendemos e que é o cimento com o qual temos orgulho de construir a nossa Internacional. Nesse terreno, somos os mais fiéis seguidores de Lenin e Trotsky, que sempre colocaram uma linha divisória intransponível entre a moral da burguesia e a moral proletária e revolucionária.

O resultado dessa política não é pequeno. Significou para nós um fortalecimento de nossos militantes e de nosso funcionamento interno; significou um fortalecimento de nossas seções e inclusive nos possibilitou ingressar em outros países onde os lutadores e ativistas de esquerda viram na LIT uma possibilidade concreta de construir uma Internacional verdadeiramente revolucionária porque está assentada em princípios morais firmes e de defesa intransigente e absoluta dos interesses da classe trabalhadora e dos militantes de esquerda, sejam eles nossos ou de outras correntes, que enfrentam a burguesia, o exército, a burocracia e todos os nossos inimigos no campo da luta de classes.

Diante do avanço da luta de classes, com as massas enfrentando governos genocidas, é urgente que toda a esquerda mundial se defina em defesa da moral revolucionária. A única moral que pode nos credenciar a construir uma Internacional que seja um instrumento de luta implacável contra a moral burguesa e seu regime capitalista, que tanto sofrimento já trouxe para a humanidade e agora é a única responsável pela catástrofe que atinge as mulheres pobres e trabalhadoras no mundo inteiro, lançadas à mercê da violência, do estupro e todo tipo de agressão com as quais não podemos compactuar e muito menos reproduzir dentro de nossos partidos.

É urgente que todas as correntes de esquerda discutam, de forma fraternal e ampla, a relação entre a moral revolucionária e opressão da mulher, para extirpar de nosso seio esse veneno com o qual a burguesia tenta nos destruir.