terça-feira, 6 de novembro de 2012

Zé Dirceu, o PT e a esquerda brasileira.


Réquiem para um trânsfuga 

Zé Dirceu passou para o lado do inimigo, apoiou a reforma da Previdência e, por fim, meteu-se em um caso de corrupção


JERÔNIMO CASTRO, DE CONTAGEM (MG)
 


 
 
  José Dirceu, ex-líder estudantil e ex-guerrilheiro

• O julgamento do mensalão está chegando ao fim. O resultado final será a condenação de quase toda a antiga cúpula política do PT, bem como de várias de suas figuras públicas. Com a exceção de Lula.

O motivo da condenação parece legítimo: corrupção ativa, compra de votos no parlamento, desvio de dinheiro público e um longo etc. Uma boa parte da grande imprensa apresenta as condenações como um novo momento da política brasileira. Finalmente, dizem, os casos de corrupção são julgados e os corruptos condenados, podendo inclusive ir para a cadeia.

Os juízes do Supremo Tribunal Federal que estão à frente do julgamento são apresentados como heróis que enfrentam a corrupção e os poderosos em uma tentativa de “passar o Brasil a limpo”. No entanto, parece necessário fazer uma análise mais profunda de todo o processo e de seus condenados. Não apenas de sua trajetória política, mas inclusive a serviço do quê eles corromperam ou foram corrompidos.

O mais notório dos condenados, José Dirceu, tem uma das mais notáveis biografias políticas do Brasil. Líder estudantil no começo da ditadura, preso no congresso da UNEne de Ibiúna, trocado pelo embaixador Charles Burke Elbrick em Setembro de 1969, exilado em Cuba, fez treinamento guerrilheiro e virou dirigente da fração esquerdista da ALN, conhecida como Grupo Primavera, que preconizava a volta para o Brasil e a continuidade das ações militares contra a ditadura.


Desapareceu do cenário político em meado dos anos 70, escondendo-se no interior do Paraná onde levou uma vida clandestina na pequena cidade de Cruzeiro do Oeste. Incólume, nem mesmo sua esposa sabia sua verdadeira identidade. Com o fim da ditadura e a anistia voltou à cena para ajudar a fundar o Partido dos Trabalhadores.

Neste partido dirigirá sua fração mais à direita, a Articulação, e será sempre o homem que busca um programa moderado e que dialogue com setores burgueses. Vai ser José Dirceu quem perseguirá até à expulsão a Convergência Socialista, será o mesmo José Dirceu quem defenderá à época do plano cruzado de José Sarney que o PT deve ser a ala esquerda dos “fiscais do Sarney”. Será José Dirceu que lutará até conseguir a frente com José Alencar para as eleições de 2002.

No poder, será o ministro da Casa Civil e, segundo alguns, a eminência parda do governo Lula.

Se alguém pode ganhar o prêmio por domesticar o PT, transformá-lo em partido da ordem e em baluarte do regime democrático burguês, esse alguém, sem sombra de dúvida, é José Dirceu. Mais incrível ainda, uma das mais importantes compras de votos feita pelo esquema de José Dirceu foi justamente para aprovar a reforma da Previdência Social, um ataque brutal contra os trabalhadores e amplamente apoiado pela burguesia e a sua mídia.

Por outro lado não é necessário ter muita inteligência nem ser um “expert” em política para se dar conta que somente um lado está sendo julgado. O PSDB e o PMDB têm muito mais culpa no cartório, ou pelo menos tanta culpa quanto o PT e seus ex-dirigentes agora condenados. A pergunta é, por quê?



A Burguesia não perdoa nem esquece
A condenação de Zé Dirceu não tem a ver com seu presente. Atualmente, poucos políticos fizeram tanto pela estabilidade da dominação burguesa e pela defesa do status quo vigente.

Também é indiscutível que Zé Dirceu não é mais corrupto que a maioria dos grandes políticos burgueses tradicionais. Maracutaias como a das privatizações, da reeleição de FHC, entre outras, deixam claro que o pudor da burguesia em relação à roubalheira do Estado é nula ou muito próxima a isso.

No entanto, Zé Dirceu e uma parte de seus comparsas no mensalão têm um passado. E é isso que é necessário matar. Diferentemente dos demais corruptos do país, públicos e privados, ativos e passivos, José Dirceu é uma nota dissonante na política brasileira, não pelo seu presente, integrado à ordem, mas por seu passado de dirigente estudantil, líder guerrilheiro e organizador de um partido, que em suas origens esteve contra a ordem vigente.

A burguesia, como todos os setores dirigentes, prefere sempre corromper e cooptar seus inimigos a liquidá-los. Um ex-inimigo domesticado é sempre um troféu melhor que um ex-inimigo morto. Na política essa verdade tem, digamos, uma dimensão ainda mais ampla. Corromper e cooptar um dirigente inimigo significa não apenas ganhar um novo “aliado” e enfraquecer a parte contrária, significa também desmoralizar as “tropas” inimigas. Quando se trata de um enfrentamento onde não são meramente setores distintos de uma mesma classe que se enfrentam, mas onde os “inimigos” representam, ainda que apenas no imaginário das classes, a classes opostas, esta conquista, o ato de cooptar ou corromper a um dirigente inimigo toma uma dimensão ainda maior.

Diferentemente da burguesia, o proletariado forma muito menos quadros e dirigentes. Isso é inevitável na sociedade capitalista. A classe trabalhadora é embrutecida permanentemente com drogas, religião, novelas, publicações de baixa qualidade, todo tipo de pornografia, etc. Por outro lado a qualidade do ensino que lhe é oferecida é cada vez mais baixa e tecnificante. Para cada quadro formado na sociedade burguesa que se passa para, ou tem origem no proletariado, deve haver centenas que são de origem burguesa e continuarão a servir à burguesia.



O peso de um quadro operário, dedicado à causa da classe trabalhadora, dentro do movimento operário é muito superior ao peso de um quadro burguês dedicado à causa burguesa. A escassez também é um elemento da valorização de qualquer produto. Quando um destes quadros dirigentes cai, é inevitável que o lado oposto se regozije. Mas é necessário não criar mitos. Um morto sempre é um símbolo, o perseguido de hoje será o mártir inspirador de amanhã.

José Dirceu foi, pois, o trânsfuga perfeito. Passou-se para o lado do inimigo, apoiou coisas tais como a contra-reforma da Previdência, perseguiu a esquerda de seu próprio partido e, finalmente, meteu-se em um dos mais asquerosos processos de corrupção da história do país. O trânsfuga prestou este último serviço à burguesia, o de desmoralizar seu próprio exército antes da já inevitável queda. José Dirceu cumpriu o triste papel de confirmar aos olhos da classe trabalhadora a máxima, que a burguesia se esforça para legitimar, de que “são todos iguais” e de que no fim das contas todos os políticos só pensam em si mesmos.


A queda de José Dirceu, inevitavelmente, arrasta consigo uma parte das melhores esperanças de classe trabalhadora: a de que seus representantes fariam outro tipo de política.

Sem romper com a burguesia não há solução para a corrupção
O degradante espetáculo público do julgamento do STF, que já foi chamado com razão de BBB, e junto com ele a ridícula caricatura dos juízes togados tentando se colocar acima do lamaçal da sociedade burguesa, entorpecerá mais de um coração nestes dias.

Já há quem fale que Joaquim Barbosa deveria ser candidato a presidente da República. O sistema se recria todos os dias. Os mensaleiros do PT ajudaram a que este triste espetáculo pudesse ser representado sem que a burguesia precisasse cortar mais profundamente entre seus quadros prediletos.

No entanto, para além dos efeitos imediatos, é bom que a esquerda, em especial aquela que se julga revolucionária, e mais ainda a nova esquerda “post” PT, tire lições da adaptação parlamentar e do vale tudo eleitoral.

Acreditar que é possível ganhar eleições e governar junto com a burguesia e não ver que isso levará inevitavelmente a usar e se misturar com seus métodos de fazer política, leiam-se corrupção, chantagem e
roubo, é no mínimo ingenuidade. E como dizia Lênin, “em política ingenuidade é crime”.